domingo, 18 de março de 2012

ENTRE UTOPIA E ILUSÃO


Utopia é uma cidade espetacular. Embora eu não tenha nascido lá, tenho um carinho muito especial por ela e seus moradores. Eu diria que é uma cidade bipolar. Na maior parte do tempo é uma cidade pacata, típica do interior, mas de uma hora pra outra pode ficar agitada e movimentada. Utopia sempre me fascinou, e foi por isso que me mudei pra lá já faz um bom tempo. Eu realmente queria descobrir o segredo daquela cidade, mas quando finalmente descobri eu soube que nunca deveria ter me mudado pra lá.


Nos arredores de Utopia havia uma cidade encantada chamada Ilusão, cidade onde habitavam as feiticeiras do amor. As habitantes de Ilusão nunca saiam da cidade, pois haviam sido confinadas ali pelo Grande Feiticeiro e, até onde sabíamos ninguém jamais escapou. Os mais antigos contavam que elas se alimentavam de corações apaixonados e a única maneira de as feiticeiras se alimentarem era quando viajantes desavisados resolviam procurar pouso em Ilusão. Nunca mais foram vistos, exceto um que sobrou para contar a história.

Utopia era uma cidade muito bela e seus habitantes eram pessoas extraordinárias e interessantíssimas, porém muito ocupados com seus próprios devaneios e eu comecei a me sentir um tanto deslocado. Então, inquieto e curioso, resolvi dar uma espiada em Ilusão. Arriei o meu cavalo e parti com um misto de medo e excitação que faziam meu coração disparar. Queria ver o que tinha lá, mas tinha medo de não voltar. Acho que sou atraído pelo que me dá medo.

Avistei a cidade ao longe e fiquei deslumbrado. Nunca havia visto tanta beleza. Será que eu conseguiria, pelo menos de relance, por meus olhos em uma das habitantes de Ilusão?

Desci do cavalo e caminhei em volta da cidade procurando encontrar alguma fenda no muro que me permitisse ver o interior. Encontrei uma abertura em um dos cantos do imenso muro quadrangular que cercava a cidade e, ao que parecia me mostraria algo no interior da cidade. Meu coração parecia me espancar por dentro de excitação. Eu não sabia o que esperar, e certamente não estava preparado para o que eu estava prestes a descobrir.

Olhei de um lado e de outro para ver se alguém me observava. Senti-me seguro e então me curvei para olhar pela fenda e, para minha surpresa, havia alguém do outro lado com um olhar incandescente como que aguardando a minha chegada.

Foi ai que eu a vi, e a reconheci.

Era ela, a mulher misteriosa que eu havia observado em duas ou três ocasiões em Utopia. Todas as vezes que eu a vi, a cidade estava fervilhando. Mas como seria possível? As feiticeiras eram prisioneiras de Ilusão. Ninguém poderia sair de lá, a não ser que... Será? Não pode ser. A única forma de uma feiticeira sair de Ilusão seria com a permissão do Grande Feiticeiro. Mas por que ele permitiria tal coisa?

Enquanto eu conjecturava estas coisas meu cavalo começou a se agitar. Voltei-me para ver o que acontecia e, como num passe de mágica lá estava ela. Nunca em meus sonhos mais sem limites eu havia imaginado uma mulher tão estonteantemente bela em toda a minha vida. Meu coração, que antes estava acelerado agora parecia que iria parar. Fiquei totalmente sem reação, e aquele frio na barriga foi subindo pelo peito até chegar como um nó na garganta, uma vontade de chorar por ter encontrado, não somente o segredo de Utopia, mas também a rainha de Ilusão.

Logo quando cheguei à Utopia eu havia ouvido uma historia sobre a rainha de Ilusão. Ela seria a única que podia sair e entrar a hora que quisesse, pois tinha alcançado graça aos olhos do Grande Feiticeiro, porém a condição seria a de que ela nunca se deixaria ver por ninguém sob pena de ser confinada novamente, e desta vez para sempre. Porém esta história foi desmentida por um dos principais da cidade, pois dizia que o Grande Feiticeiro nunca permitira que uma habitante de Ilusão, nem mesmo a rainha, saísse da cidade. Mas eu a vi, e a reconheci.

Quase sem forças tentei falar, mas as palavras não pareciam fazer sentido. Ela se aproximou e com os olhos me disse tudo o que eu precisava saber. Era como se nos conhecêssemos a um milhão de anos. Nada mais importava. Ela se aproximou ainda mais, eu também queria corresponder, mas não conseguia me mexer. Por um segundo cheguei a pensar que alguma coisa estava errada, mas o seu olhar me trouxe de volta ao que realmente importava. Ela chegou bem perto, inclinou-se e com seus lábios encostados em meu ouvido disse algo que não consegui entender. Tentei pedir que repetisse, mas comecei a ouvir um forte zumbido como se viesse de todos os lados. De repente tudo sumiu. Silencio. Era como seu eu houvesse entrado no nada absoluto.

Tentei me mexer. Desta vez meu corpo obedeceu. Comecei a olhar de um lado para outro e não via nada além de... NADA. Como um quarto branco, só que sem paredes, nem teto, nem chão. NADA! Comecei a gritar. Quem sabe alguém poderia me ouvir, mas minha voz retornava com um eco estrondoso e em seguida, silêncio e NADA. Fiquei ali por uma eternidade. Tentei imaginar a quanto tempo eu estava ali, mas não havia noite nem dia. Chorei.

Chorei por muito tempo, tanto tempo que até já nem sabia por que eu estava chorando. Então, em algum momento eu entendi. Abri os olhos e vi. Eu havia sido enfeitiçado e agora era prisioneiro de Ilusão. Como os viajantes desavisados eu havia sido fisgado. Agora já não passava de mais uma opção no cardápio das feiticeiras do amor e logo ela, a rainha, virá para terminar o que começou.

Se você, morador de Utopia ou viajante desavisado tiver que passar pelo caminho de Ilusão, aceite um conselho: passe de largo. Não tente olhar para dentro de Ilusão, pois seus olhos podem encontrar os olhos dela. E acima de tudo nunca, JAMAIS, permita que uma feiticeira do amor fale ao seu ouvido, pois certamente serás levado cativo como eu, e fatalmente servirás de alimento para aquelas que se alimentam de corações apaixonados.

Giordano Narada