sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A filosofia de Luan Santana


Eu nunca tinha ouvido uma música inteira do Luan Santana, mas outro dia via uma propaganda de DVD dele na TV e um trechinho de uma melodia me pegou. Ontem eu resolvi ouvir a  música inteira e fiquei impactado. São poucas as músicas brasileiras que conseguem me tocar de verdade. Não estou falando da letra, mas da música, a melodia. Pode parecer surpreendente, principalmente pra quem me acompanha há mais tempo, me ver falando bem de uma música do Luan Santana, mas eu preciso ser sincero em dizer que, apesar de não ter nenhuma afinidade com o estilo do cantor, essa melodia me tocou a alma.

A melodia é uma mistura de música Gospel com uma das trilhas do filme do Shrek. Mas não aquele estilo Gospel Black Soul americano, mas um estilo de Gospel brasileiro, estilo comunidade. Quem conhece, sabe do que eu estou falando. Me lembra um pouco minha adolescência, quando eu cantava na igreja umas músicas que traziam melodias nesse estilo.

Mas, ao mesmo tempo em que a melodia me emocionava, a letra me preocupava. E analisando a letra, me lembrei de uma certa tradição antiga, que supostamente conta sobre de onde viemos e para onde vamos, e falando sobre isso, revela algumas coisas bem interessantes sobre nós. Quero falar um pouco disso usando a letra dessa música do Luan Santana como base.

O nome da música é “Tudo o que você quiser”. Eu vou transcrever aqui cada parte relevante da música para aquilo que quero pontuar hoje. Vamos lá.

“Tem dias que eu acordo pensando em você
Em fração de segundos vejo o mundo desabar
Aí que cai a ficha que eu não vou te ver
Será que esse vazio um dia vai me abandonar?

Tem gente que tem cheiro de rosa, de avelã
Tem o perfume doce de toda manhã
Você tem tudo, você tem muito

Muito mais que um dia eu sonhei pra mim
Tem a pureza de um anjo querubim
Eu trocaria tudo pra te ter aqui”

Essas três primeiras partes mostram uma atitude muito comum, que é muito endeusada especialmente pela turma adolescente, que é esse negócio de “eu não sei viver sem você”, que é quando uma pessoa acredita que a vida só faz sentido quando outra pessoa está na vida dela. A música é basicamente isso, mas eu quero analisar o refrão com vocês, pra mostrar umas coisas tão interessantes quanto preocupantes. Continue comigo, é agora que vai ficar interessante.

“Eu troco minha paz por um beijo seu
Eu troco meu destino pra viver o seu
Eu troco minha cama pra dormir na sua
Eu troco mil estrelas pra te dar a lua
E tudo que você quiser
E se você quiser te dou meu sobrenome”

Isso pode parecer bonito, mas é absolutamente suicida. A única coisa que importa na vida é você descobrir qual é o seu destino, e trilhar o caminho para chegar lá. Talvez você não acredite em destino, mas acredite que cada um define o que quer ser. Eu preciso lhe dizer que não é de fato assim. Também não é o caso de estar tudo definido e você é uma mera peça de um jogo, também não é isso. Hoje não vou explicar em detalhes o que é o conceito de Destino, mas vou lhe dar uma Ideia do que é.

Cada um de nós nasceu pra fazer alguma coisa. Uns chamam de missão, outros chamam de karma, há quem chame de destino. Mas se trata, na verdade, de uma tarefa. Essa tarefa pode ser cumprida ou não, mas ela existe. Acontece que, quando nos apaixonamos, geralmente acontece o que aconteceu com o exemplo da música: “eu troco o meu destino pra viver o seu”. Essa é a pior decisão que uma pessoa pode tomar: viver o destino de outra pessoa. Pode ser pela motivação mais linda do mundo, é um grande erro.

Mas antes de falar um pouco mais sobre porque a paixão induz ao erro, e também falar sobre o porque abrir mão do seu destino é um erro, quero mostrar uma coisa muito interessante na letra dessa música. Quando ele canta “eu troco mil estrelas pra te dar a lua”, me lembra uma referência de uma tradição muito antiga, falando sobre a gênese humana.

Existe uma frase que diz “quando um homem se ilumina, uma estrela se apaga”. Isso é porque, segundo essas tradições antigas, o homem é a evolução do que um dia foi uma estrela. Claro, não diretamente uma estrela, mas é uma alusão à constituição humana, vinda de uma série de cadeias evolucionais. Mas não vou me aprofundar nisso também, porque o objetivo é chegar em outro lugar com esse texto. Além disso, a música faz referência a Lua, que representa pra essa tradição antiga, uma cadeia evolucional que gerou os animais, e que trouxe para o Homem o que chamamos de emoções. Ou seja, olhando por esse filtro, quando a música diz “eu troco mil estrelas pra te dar a lua”, ela está dizendo, eu troco a sabedoria de mil homens, para viver baseado em emoções, como um animal.

Eu fiquei bem impressionado com isso porque, ainda que eu não tivesse esse conhecimento e nem escrevesse nada sobre isso aqui, ainda assim, seria fácil compreender essa questão na música. A paixão nos transforma em animais irracionais. Afinal, quem em sã consciência trocaria a sua paz por um beijo de outra pessoa?

Isto posto, quero dizer que, apesar de a melodia dessa música ser (pra mim) uma coisa sensacional, a letra traz a velha fórmula do cara apaixonado que desliga o cérebro e passa a, praticamente, andar em quatro patas. Agora, o fato de haver uma canção com essa letra não é o problema. O problema é ver milhares de adolescentes pautando as suas vidas em letras de música como essa.

Uma canção como expressão do compositor nunca deve ser censurada, mas quando expressa uma cultura, deve ser questionada. E é isso que eu estou fazendo aqui, questionando a cultura da paixão. Não existe nada tão nocivo ao ser humano como a paixão.

Por paixão você mata e morre, faz loucuras que não faria se não estivesse apaixonado. O ciúme também vem da paixão, e por causa dela, muitas pessoas se colocam dispostas a fazer literalmente qualquer coisa, e nesse “qualquer coisa”, cabe muita matéria pra página policial.

A paixão e a razão não andam juntas.

Mas a saída também não é se tornar uma pessoa racional, do tipo que não sente nada e analisa tudo. A saída é se autoconhecer de tal forma, que você possa administrar o que sente. Isso é inteligência emocional por excelência.

Por si só, nenhum sentimento é realmente bom ou mal. O que fazemos com ele, e pra onde o direcionamos é um problema. Amar a coisa errada pode ser ruim, enquanto que odiar a coisa certa pode ser bom. Se você organizar seus sentimentos, e administrá-los de forma inteligente, assumindo o controle da sua vida, não vai mais poder compor sertanejo universitário, mas vai ter paz na vida.

Apaixone-se sim, mas não perca o controle, nem a individualidade. Não troque o seu destino pelo de ninguém, ainda que seja a pessoa mais incrível do mundo. O destino dela é só dela, e o seu é só seu. O mundo só está essa bagunça toda porque a gente não vive o que tem que viver, pra ficar brincando de se apaixonar, perdendo rumo como cachorrinhos no cio.

Não troque a sabedoria das mil estrelas pelo apelo emocional da lua. Isso é bonito de dizer, mas é altamente nocivo à consciência e a vida.

Emocione-se sempre, mas com inteligência!


Giordano Nârada