Eu nunca tinha ouvido uma música inteira do Luan Santana, mas outro
dia via uma propaganda de DVD dele na TV e um trechinho de uma melodia me
pegou. Ontem eu resolvi ouvir a música inteira
e fiquei impactado. São poucas as músicas brasileiras que conseguem me tocar de
verdade. Não estou falando da letra, mas da música, a melodia. Pode parecer
surpreendente, principalmente pra quem me acompanha há mais tempo, me ver
falando bem de uma música do Luan Santana, mas eu preciso ser sincero em dizer
que, apesar de não ter nenhuma afinidade com o estilo do cantor, essa melodia
me tocou a alma.
A melodia é uma mistura de música Gospel com uma das trilhas do filme
do Shrek. Mas não aquele estilo Gospel Black Soul americano, mas um estilo de
Gospel brasileiro, estilo comunidade. Quem conhece, sabe do que eu estou
falando. Me lembra um pouco minha adolescência, quando eu cantava na igreja
umas músicas que traziam melodias nesse estilo.
Mas, ao mesmo tempo em que a melodia me emocionava, a letra me
preocupava. E analisando a letra, me lembrei de uma certa tradição antiga, que supostamente
conta sobre de onde viemos e para onde vamos, e falando sobre isso, revela
algumas coisas bem interessantes sobre nós. Quero falar um pouco disso usando a
letra dessa música do Luan Santana como base.
O nome da música é “Tudo o que você quiser”. Eu vou transcrever aqui
cada parte relevante da música para aquilo que quero pontuar hoje. Vamos lá.
“Tem dias que eu acordo pensando em você
Em fração de segundos vejo o mundo desabar
Aí que cai a ficha que eu não vou te ver
Será que esse vazio um dia vai me abandonar?
Tem gente que tem cheiro de rosa, de avelã
Tem o perfume doce de toda manhã
Você tem tudo, você tem muito
Muito mais que um dia eu sonhei pra mim
Tem a pureza de um anjo querubim
Eu trocaria tudo pra te ter aqui”
Essas três primeiras partes mostram uma atitude muito comum, que é
muito endeusada especialmente pela turma adolescente, que é esse negócio de “eu
não sei viver sem você”, que é quando uma pessoa acredita que a vida só faz
sentido quando outra pessoa está na vida dela. A música é basicamente isso, mas
eu quero analisar o refrão com vocês, pra mostrar umas coisas tão interessantes
quanto preocupantes. Continue comigo, é agora que vai ficar interessante.
“Eu
troco minha paz por um beijo seu
Eu
troco meu destino pra viver o seu
Eu
troco minha cama pra dormir na sua
Eu
troco mil estrelas pra te dar a lua
E
tudo que você quiser
E se
você quiser te dou meu sobrenome”
Isso pode parecer bonito, mas é absolutamente suicida. A única coisa
que importa na vida é você descobrir qual é o seu destino, e trilhar o caminho
para chegar lá. Talvez você não acredite em destino, mas acredite que cada um
define o que quer ser. Eu preciso lhe dizer que não é de fato assim. Também não
é o caso de estar tudo definido e você é uma mera peça de um jogo, também não é
isso. Hoje não vou explicar em detalhes o que é o conceito de Destino, mas vou
lhe dar uma Ideia do que é.
Cada um de nós nasceu pra fazer alguma coisa. Uns chamam de missão,
outros chamam de karma, há quem chame de destino. Mas se trata, na verdade, de
uma tarefa. Essa tarefa pode ser cumprida ou não, mas ela existe. Acontece que,
quando nos apaixonamos, geralmente acontece o que aconteceu com o exemplo da
música: “eu troco o meu destino pra viver o seu”. Essa é a pior decisão que uma
pessoa pode tomar: viver o destino de outra pessoa. Pode ser pela motivação
mais linda do mundo, é um grande erro.
Mas antes de falar um pouco mais sobre porque a paixão induz ao erro,
e também falar sobre o porque abrir mão do seu destino é um erro, quero mostrar
uma coisa muito interessante na letra dessa música. Quando ele canta “eu troco
mil estrelas pra te dar a lua”, me lembra uma referência de uma tradição muito
antiga, falando sobre a gênese humana.
Existe uma frase que diz “quando um homem se ilumina, uma estrela se
apaga”. Isso é porque, segundo essas tradições antigas, o homem é a evolução do
que um dia foi uma estrela. Claro, não diretamente uma estrela, mas é uma
alusão à constituição humana, vinda de uma série de cadeias evolucionais. Mas
não vou me aprofundar nisso também, porque o objetivo é chegar em outro lugar com
esse texto. Além disso, a música faz referência a Lua, que representa pra essa
tradição antiga, uma cadeia evolucional que gerou os animais, e que trouxe para
o Homem o que chamamos de emoções. Ou seja, olhando por esse filtro, quando a
música diz “eu troco mil estrelas pra te dar a lua”, ela está dizendo, eu troco
a sabedoria de mil homens, para viver baseado em emoções, como um animal.
Eu fiquei bem impressionado com isso porque, ainda que eu não tivesse
esse conhecimento e nem escrevesse nada sobre isso aqui, ainda assim, seria
fácil compreender essa questão na música. A paixão nos transforma em animais
irracionais. Afinal, quem em sã consciência trocaria a sua paz por um beijo de
outra pessoa?
Isto posto, quero dizer que, apesar de a melodia dessa música ser (pra
mim) uma coisa sensacional, a letra traz a velha fórmula do cara apaixonado que
desliga o cérebro e passa a, praticamente, andar em quatro patas. Agora, o fato
de haver uma canção com essa letra não é o problema. O problema é ver milhares
de adolescentes pautando as suas vidas em letras de música como essa.
Uma canção como expressão do compositor nunca deve ser censurada, mas
quando expressa uma cultura, deve ser questionada. E é isso que eu estou
fazendo aqui, questionando a cultura da paixão. Não existe nada tão nocivo ao
ser humano como a paixão.
Por paixão você mata e morre, faz loucuras que não faria se não
estivesse apaixonado. O ciúme também vem da paixão, e por causa dela, muitas
pessoas se colocam dispostas a fazer literalmente qualquer coisa, e nesse “qualquer
coisa”, cabe muita matéria pra página policial.
A paixão e a razão não andam juntas.
Mas a saída também não é se tornar uma pessoa racional, do tipo que
não sente nada e analisa tudo. A saída é se autoconhecer de tal forma, que você
possa administrar o que sente. Isso é inteligência emocional por excelência.
Por si só, nenhum sentimento é realmente bom ou mal. O que fazemos com
ele, e pra onde o direcionamos é um problema. Amar a coisa errada pode ser
ruim, enquanto que odiar a coisa certa pode ser bom. Se você organizar seus
sentimentos, e administrá-los de forma inteligente, assumindo o controle da sua
vida, não vai mais poder compor sertanejo universitário, mas vai ter paz na
vida.
Apaixone-se sim, mas não perca o controle, nem a individualidade. Não
troque o seu destino pelo de ninguém, ainda que seja a pessoa mais incrível do
mundo. O destino dela é só dela, e o seu é só seu. O mundo só está essa bagunça
toda porque a gente não vive o que tem que viver, pra ficar brincando de se
apaixonar, perdendo rumo como cachorrinhos no cio.
Não troque a sabedoria das mil estrelas pelo apelo emocional da lua.
Isso é bonito de dizer, mas é altamente nocivo à consciência e a vida.
Emocione-se sempre, mas com inteligência!
Giordano Nârada