Utopia é uma cidade
espetacular. Embora eu não tenha nascido lá, tenho um carinho muito especial
por ela e seus moradores. Eu diria que é uma cidade bipolar. Na maior parte do
tempo é uma cidade pacata, típica do interior, mas de uma hora pra outra pode ficar
agitada e movimentada. Utopia sempre me fascinou, e foi por isso que me mudei
pra lá já faz um bom tempo. Eu realmente queria descobrir o segredo daquela
cidade, mas quando finalmente descobri eu soube que nunca deveria ter me mudado
pra lá.
Nos
arredores de Utopia havia uma cidade encantada chamada Ilusão, cidade onde
habitavam as feiticeiras do amor. As habitantes de Ilusão nunca saiam da
cidade, pois haviam sido confinadas ali pelo Grande Feiticeiro e, até onde
sabíamos ninguém jamais escapou. Os mais antigos contavam que elas se
alimentavam de corações apaixonados e a única maneira de as feiticeiras se
alimentarem era quando viajantes desavisados resolviam procurar pouso em
Ilusão. Nunca mais foram vistos, exceto um que sobrou para contar a história.
Utopia
era uma cidade muito bela e seus habitantes eram pessoas extraordinárias e
interessantíssimas, porém muito ocupados com seus próprios devaneios e eu
comecei a me sentir um tanto deslocado. Então, inquieto e curioso, resolvi dar
uma espiada em Ilusão. Arriei o meu cavalo e parti com um misto de medo e
excitação que faziam meu coração disparar. Queria ver o que tinha lá, mas tinha
medo de não voltar. Acho que sou atraído pelo que me dá medo.
Avistei
a cidade ao longe e fiquei deslumbrado. Nunca havia visto tanta beleza. Será
que eu conseguiria, pelo menos de relance, por meus olhos em uma das habitantes
de Ilusão?
Desci
do cavalo e caminhei em volta da cidade procurando encontrar alguma fenda no
muro que me permitisse ver o interior. Encontrei uma abertura em um dos cantos
do imenso muro quadrangular que cercava a cidade e, ao que parecia me mostraria
algo no interior da cidade. Meu coração parecia me espancar por dentro de
excitação. Eu não sabia o que esperar, e certamente não estava preparado para o
que eu estava prestes a descobrir.
Olhei
de um lado e de outro para ver se alguém me observava. Senti-me seguro e então
me curvei para olhar pela fenda e, para minha surpresa, havia alguém do outro
lado com um olhar incandescente como que aguardando a minha chegada.
Foi
ai que eu a vi, e a reconheci.
Era
ela, a mulher misteriosa que eu havia observado em duas ou três ocasiões em
Utopia. Todas as vezes que eu a vi, a cidade estava fervilhando. Mas como seria
possível? As feiticeiras eram prisioneiras de Ilusão. Ninguém poderia sair de
lá, a não ser que... Será? Não pode ser. A única forma de uma feiticeira sair
de Ilusão seria com a permissão do Grande Feiticeiro. Mas por que ele
permitiria tal coisa?
Enquanto
eu conjecturava estas coisas meu cavalo começou a se agitar. Voltei-me para ver
o que acontecia e, como num passe de mágica lá estava ela. Nunca em meus sonhos
mais sem limites eu havia imaginado uma mulher tão estonteantemente bela em
toda a minha vida. Meu coração, que antes estava acelerado agora parecia que
iria parar. Fiquei totalmente sem reação, e aquele frio na barriga foi subindo
pelo peito até chegar como um nó na garganta, uma vontade de chorar por ter
encontrado, não somente o segredo de Utopia, mas também a rainha de Ilusão.
Logo
quando cheguei à Utopia eu havia ouvido uma historia sobre a rainha de Ilusão.
Ela seria a única que podia sair e entrar a hora que quisesse, pois tinha
alcançado graça aos olhos do Grande Feiticeiro, porém a condição seria a de que
ela nunca se deixaria ver por ninguém sob pena de ser confinada novamente, e
desta vez para sempre. Porém esta história foi desmentida por um dos principais
da cidade, pois dizia que o Grande Feiticeiro nunca permitira que uma habitante
de Ilusão, nem mesmo a rainha, saísse da cidade. Mas eu a vi, e a reconheci.
Quase
sem forças tentei falar, mas as palavras não pareciam fazer sentido. Ela se
aproximou e com os olhos me disse tudo o que eu precisava saber. Era como se
nos conhecêssemos a um milhão de anos. Nada mais importava. Ela se aproximou
ainda mais, eu também queria corresponder, mas não conseguia me mexer. Por um
segundo cheguei a pensar que alguma coisa estava errada, mas o seu olhar me
trouxe de volta ao que realmente importava. Ela chegou bem perto, inclinou-se e
com seus lábios encostados em meu ouvido disse algo que não consegui entender.
Tentei pedir que repetisse, mas comecei a ouvir um forte zumbido como se viesse
de todos os lados. De repente tudo sumiu. Silencio. Era como seu eu houvesse
entrado no nada absoluto.
Tentei
me mexer. Desta vez meu corpo obedeceu. Comecei a olhar de um lado para outro e
não via nada além de... NADA. Como um quarto branco, só que sem paredes, nem
teto, nem chão. NADA! Comecei a gritar. Quem sabe alguém poderia me ouvir, mas
minha voz retornava com um eco estrondoso e em seguida, silêncio e NADA. Fiquei
ali por uma eternidade. Tentei imaginar a quanto tempo eu estava ali, mas não
havia noite nem dia. Chorei.
Chorei
por muito tempo, tanto tempo que até já nem sabia por que eu estava chorando.
Então, em algum momento eu entendi. Abri os olhos e vi. Eu havia sido
enfeitiçado e agora era prisioneiro de Ilusão. Como os viajantes desavisados eu
havia sido fisgado. Agora já não passava de mais uma opção no cardápio das
feiticeiras do amor e logo ela, a rainha, virá para terminar o que começou.
Se
você, morador de Utopia ou viajante desavisado tiver que passar pelo caminho de
Ilusão, aceite um conselho: passe de largo. Não tente olhar para dentro de
Ilusão, pois seus olhos podem encontrar os olhos dela. E acima de tudo nunca,
JAMAIS, permita que uma feiticeira do amor fale ao seu ouvido, pois certamente
serás levado cativo como eu, e fatalmente servirás de alimento para aquelas que
se alimentam de corações apaixonados.
Giordano
Narada