domingo, 18 de março de 2012

ENTRE UTOPIA E ILUSÃO


Utopia é uma cidade espetacular. Embora eu não tenha nascido lá, tenho um carinho muito especial por ela e seus moradores. Eu diria que é uma cidade bipolar. Na maior parte do tempo é uma cidade pacata, típica do interior, mas de uma hora pra outra pode ficar agitada e movimentada. Utopia sempre me fascinou, e foi por isso que me mudei pra lá já faz um bom tempo. Eu realmente queria descobrir o segredo daquela cidade, mas quando finalmente descobri eu soube que nunca deveria ter me mudado pra lá.


Nos arredores de Utopia havia uma cidade encantada chamada Ilusão, cidade onde habitavam as feiticeiras do amor. As habitantes de Ilusão nunca saiam da cidade, pois haviam sido confinadas ali pelo Grande Feiticeiro e, até onde sabíamos ninguém jamais escapou. Os mais antigos contavam que elas se alimentavam de corações apaixonados e a única maneira de as feiticeiras se alimentarem era quando viajantes desavisados resolviam procurar pouso em Ilusão. Nunca mais foram vistos, exceto um que sobrou para contar a história.

Utopia era uma cidade muito bela e seus habitantes eram pessoas extraordinárias e interessantíssimas, porém muito ocupados com seus próprios devaneios e eu comecei a me sentir um tanto deslocado. Então, inquieto e curioso, resolvi dar uma espiada em Ilusão. Arriei o meu cavalo e parti com um misto de medo e excitação que faziam meu coração disparar. Queria ver o que tinha lá, mas tinha medo de não voltar. Acho que sou atraído pelo que me dá medo.

Avistei a cidade ao longe e fiquei deslumbrado. Nunca havia visto tanta beleza. Será que eu conseguiria, pelo menos de relance, por meus olhos em uma das habitantes de Ilusão?

Desci do cavalo e caminhei em volta da cidade procurando encontrar alguma fenda no muro que me permitisse ver o interior. Encontrei uma abertura em um dos cantos do imenso muro quadrangular que cercava a cidade e, ao que parecia me mostraria algo no interior da cidade. Meu coração parecia me espancar por dentro de excitação. Eu não sabia o que esperar, e certamente não estava preparado para o que eu estava prestes a descobrir.

Olhei de um lado e de outro para ver se alguém me observava. Senti-me seguro e então me curvei para olhar pela fenda e, para minha surpresa, havia alguém do outro lado com um olhar incandescente como que aguardando a minha chegada.

Foi ai que eu a vi, e a reconheci.

Era ela, a mulher misteriosa que eu havia observado em duas ou três ocasiões em Utopia. Todas as vezes que eu a vi, a cidade estava fervilhando. Mas como seria possível? As feiticeiras eram prisioneiras de Ilusão. Ninguém poderia sair de lá, a não ser que... Será? Não pode ser. A única forma de uma feiticeira sair de Ilusão seria com a permissão do Grande Feiticeiro. Mas por que ele permitiria tal coisa?

Enquanto eu conjecturava estas coisas meu cavalo começou a se agitar. Voltei-me para ver o que acontecia e, como num passe de mágica lá estava ela. Nunca em meus sonhos mais sem limites eu havia imaginado uma mulher tão estonteantemente bela em toda a minha vida. Meu coração, que antes estava acelerado agora parecia que iria parar. Fiquei totalmente sem reação, e aquele frio na barriga foi subindo pelo peito até chegar como um nó na garganta, uma vontade de chorar por ter encontrado, não somente o segredo de Utopia, mas também a rainha de Ilusão.

Logo quando cheguei à Utopia eu havia ouvido uma historia sobre a rainha de Ilusão. Ela seria a única que podia sair e entrar a hora que quisesse, pois tinha alcançado graça aos olhos do Grande Feiticeiro, porém a condição seria a de que ela nunca se deixaria ver por ninguém sob pena de ser confinada novamente, e desta vez para sempre. Porém esta história foi desmentida por um dos principais da cidade, pois dizia que o Grande Feiticeiro nunca permitira que uma habitante de Ilusão, nem mesmo a rainha, saísse da cidade. Mas eu a vi, e a reconheci.

Quase sem forças tentei falar, mas as palavras não pareciam fazer sentido. Ela se aproximou e com os olhos me disse tudo o que eu precisava saber. Era como se nos conhecêssemos a um milhão de anos. Nada mais importava. Ela se aproximou ainda mais, eu também queria corresponder, mas não conseguia me mexer. Por um segundo cheguei a pensar que alguma coisa estava errada, mas o seu olhar me trouxe de volta ao que realmente importava. Ela chegou bem perto, inclinou-se e com seus lábios encostados em meu ouvido disse algo que não consegui entender. Tentei pedir que repetisse, mas comecei a ouvir um forte zumbido como se viesse de todos os lados. De repente tudo sumiu. Silencio. Era como seu eu houvesse entrado no nada absoluto.

Tentei me mexer. Desta vez meu corpo obedeceu. Comecei a olhar de um lado para outro e não via nada além de... NADA. Como um quarto branco, só que sem paredes, nem teto, nem chão. NADA! Comecei a gritar. Quem sabe alguém poderia me ouvir, mas minha voz retornava com um eco estrondoso e em seguida, silêncio e NADA. Fiquei ali por uma eternidade. Tentei imaginar a quanto tempo eu estava ali, mas não havia noite nem dia. Chorei.

Chorei por muito tempo, tanto tempo que até já nem sabia por que eu estava chorando. Então, em algum momento eu entendi. Abri os olhos e vi. Eu havia sido enfeitiçado e agora era prisioneiro de Ilusão. Como os viajantes desavisados eu havia sido fisgado. Agora já não passava de mais uma opção no cardápio das feiticeiras do amor e logo ela, a rainha, virá para terminar o que começou.

Se você, morador de Utopia ou viajante desavisado tiver que passar pelo caminho de Ilusão, aceite um conselho: passe de largo. Não tente olhar para dentro de Ilusão, pois seus olhos podem encontrar os olhos dela. E acima de tudo nunca, JAMAIS, permita que uma feiticeira do amor fale ao seu ouvido, pois certamente serás levado cativo como eu, e fatalmente servirás de alimento para aquelas que se alimentam de corações apaixonados.

Giordano Narada

É AGORA! - Um pensamento sobre a ilusão do tempo


Tempo é uma unidade de medida. Um dia é o correspondente a uma volta que a Terra dá em torno de si mesma. Um ano é a unidade de medida que corresponde a uma volta que a Terra dá em torno do Sol. Horas minutos e segundos são subdivisões destas unidades de medida. Isso é muito fácil de entender em teoria, porém na prática o que fazermos é ignorar o fato descrito acima e nos comportamos como se o tempo fosse uma entidade viva superior a nós que nos controla e determina quase tudo em nossas vidas.

Por causa do tempo nós envelhecemos, esquecemos, sentimos saudade, cantamos parabéns, vamos a funerais, e fazemos ou vivemos uma série de outras situações sobre as quais, em primeira análise, não temos controle. Mas será mesmo que não temos controle sobre o tempo?

Se tempo é uma unidade de medida usada para medir o movimento da Terra em torno de si mesma e em torno do Sol, logo, tempo é a constatação de movimento. Sabendo disso, quando olhamos para o que chamamos de passado, presente e futuro podemos concluir que passado é um ponto onde a Terra esteve antes, presente é onde a Terra está agora, e futuro é onde a Terra estará no próximo instante. Isso também é fácil de entender, porém é quando trazemos este conceito para um contexto mais interno e subjetivo é que a coisa começa a ficar mais interessante.

Como é fato que o tempo é a constatação do movimento da Terra, também é correto dizer que se a Terra parar, o tempo para. Porém será que poderíamos dizer que se a Terra parar o Homem deixa de envelhecer? A resposta é SIM. Sabe-se que quando um homem é enviado ao espaço, por exemplo, seu metabolismo desacelera e seu “tempo” físico-corporal é alterado. Isso nos mostra que, pelo menos em teoria, é possível desacelerar o tempo se desaceleramos o movimento. É claro que isso não seria possível no caso do nosso planeta, pois a própria Terra deixaria de existir, já que ela só é o que é devido ao movimento que ela faz. Mas o meu ponto é: já que tempo é movimento, ou a constatação de movimento, o mesmo princípio poderia ser aplicado ao que chamamos de tempo nos campos mais subjetivos? Digo, quando falamos que “só o tempo pode curar” ou “não é o tempo certo para isso”, seria o caso de esperarmos “chegar a hora” ou seria o caso de “fazermos o tempo”?

Pensando sobre o que escrevi resumidamente acima cheguei a duas conclusões:

1 – Não existe passado ou futuro, SÓ EXISTE O AGORA.

Tanto em se tratando do movimento da Terra quanto em se tratando do movimento de consciência de cada indivíduo, ou mesmo como coletividade, o que fizemos antes não podemos mais alcançar porque se foi e o que faremos depois não poderemos alcançar porque ainda não foi criado. Desta forma a única coisa que nos sobra é o que está acontecendo aqui e agora. Se assim é, gastar energia tentando reviver o passado ou criar o futuro é o mesmo que enxugar gelo: totalmente inútil porque nunca vai acontecer. Você nunca vai conseguir reviver o passado e nem criar o futuro, porque não há forma de voltar ao passado e o futuro nunca chegará, pois quando ele chegar, será o seu presente. Não importa o que façamos, sempre estaremos no presente, aqui e agora.

Depois de entender isso, o que sobra senão viver tudo o que podemos viver hoje?

2 – O tempo não passa, NÓS É QUE NOS MOVEMOS.

Se você resolver ir para uma caverna em uma montanha longe de tudo e de todos e simplesmente ficar ali parado o que acontecerá? Morte. É isso que acontecerá. Se você não se movimentar de algum modo só o que lhe sobrevirá é a morte. Sem movimento o homem morre, ainda que a Terra continue girando. Isso significa que não é o movimento da Terra que determina o nosso tempo, mas sim o nosso movimento consciente é quem determina o nosso “tempo” e, é claro, qualquer movimento que fazemos é fruto, na grande maioria dos casos, de uma decisão individual. Se isso for verdade, e eu creio que é, nosso tempo é criado todos os dias pelas decisões que tomamos, que podem ter conseqüências rápidas ou demoradas, mas sem nenhuma dúvida as conseqüências virão.

Agora eu lhe pergunto (e a mim também): Se nós decidimos o nosso tempo através de nossos movimentos conscientes e a única coisa real, temporalmente falando, é o momento AGORA, o que eu faço com meus planos, sonhos, desejos e saudades?

Eu não respondo por você, respondo por mim. E refletindo sobre tudo isso eu decidi que:

1 – Não vou mais sentir saudades
Se alguma coisa me faz falta, decido e trabalho para trazer o que me faz falta para perto meu aqui e agora. Se não for possível, não gastarei minhas energias pensando ou desejando isso.

2 – Não vou mais sentir medo
Pois o medo é uma sensação ou um sentimento que se antecipa ao mal ou bem que virá. Sim, algumas vezes eu tenho medo do que é bom. Ninguém sente medo de algo que já aconteceu, mas sim do que acontecerá, porém o futuro não existe nem nunca existirá, então não há razão para medo.

3 – Não deixarei nada para amanhã.
Tudo o que eu quiser fazer, farei hoje. Quando o amanhã for hoje, decidirei novamente.
Viverei apenas o HOJE. Não chorarei nem celebrarei o passado, nem tampouco me importarei em conhecer antecipadamente o futuro, mas viverei COMPLETAMENTE AQUI E AGORA.

4 – Me permitirei mudar de idéia
Como não conheço o futuro não sou capaz de saber quais são as decisões que melhor contribuirão para criar o futuro que gostaria, mesmo porque não há futuro, mas apenas o presente. Deste modo, a partir deste entendimento, me reservo o direito de mudar de idéia quantas vezes julgar necessário para criar, não o meu futuro ideal, mas o meu presente completo.

5 – Serei totalmente quem eu sou
Não me permitirei ser ou parecer alguém que não sou. Nem mesmo tentarei ser um esboço de alguém que gostaria de ser no futuro, pois nunca serei ninguém além de mim mesmo. Então farei apenas o que quero de fato, direi o que tenho a dizer da maneira que sei, sem medo e sem culpa, pois sei que nasci para ser quem sou e o meu momento é agora.

Sim eu posso continuar a criar esta lista até se tornar um grande livro de decisões que eu nunca vou reler, mas acho que vocês já pegaram o espírito da coisa, e eu também. Então quero concluir dizendo que nunca será perda de tempo investir no seu AGORA, mas sempre será inútil tentar resgatar o passado ou alcançar o futuro, pois tudo o que você encontrará na vida será O ETERNO AGORA.

Pense, reflita e aja, mas faça isso AGORA!

Giordano Narada
27/12/2010

Sabe...


Sabe...
As vezes você acha que não precisa de nada até que encontra o que não pode viver sem
As vezes você acha que não pode viver sem, até perder e descobrir que sobreviveu
As vezes você sobrevive alimentando a esperança de um dia viver de verdade
As vezes você se perde...

Sabe...
As vezes você quer dizer a coisa certa mas não encontra as palavras
As vezes você encontra as palavras mas não encontra o momento
As vezes você encontra o momento e as palavras, mas não encontra os ouvidos certos
As vezes você se cala...

Sabe...
As vezes eu quero coisas que são impossíveis
As vezes é impossível querer coisas simples
As vezes o simples é que é impossível
As vezes é possível...

Sabe...
As vezes eu queria conhecer tua alma
As vezes a alma me dói por inteiro
As vezes sobra do inteiro a metade
As vezes nem isso...

Giordano Narada

Bruna Surfistinha e eu.


Ontem assisti ao filme O Doce Veneno no Escorpião, que conta a história de vida de uma Garota de Programa que ficou conhecida como Bruna Surfistinha. No começo achei que o filme ia ser bem babaca, mas depois comecei a me interessar pelo aspecto psicológico da história.

Primeiro, abordando a questão da adoção, fico pensando que milhares de crianças no mundo todo estão em orfanatos, abrigos sociais ou mesmo casas de detenção esperando que alguém as ame e as leve para casa. Crianças que vivem sem referencia de família e, tendo esse como um dos motivos, acaba entrando na criminalidade ou se autodestruindo com drogas, álcool ou qualquer outra atividade que promova fuga momentânea da realidade, mas que no fim leva a morte. Por outro lado, fico imaginando como se sente uma criança que mora com seus pais adotivos. No caso da Bruna, no filme, há uma sensação de não pertencer àquela ambiente, com um pai indiferente, uma mãe omissa e um irmão FDP. O que sobraria para uma criança crescendo em um ambiente como esse se não o desejo de ‘’se mandar’’ dali?

Bom, ela ‘’se mandou’’ e fez a única coisa que acreditou ser possível fazer, e fez com determinação. Virou garota de programa, aprendeu a fumar, beber, usar cocaína e a ganhar dinheiro com a exploração de seu corpo. Criou um blog que fez grande sucesso, escreveu um livro, fez pornô e agora sua vida virou um filme. Mas meu ponto é: quantas Brunas e Brunos vão ter que passar por tanto sofrimento, quantos livros terão eu ser escritos e quantos filmes terão que ser feitos pra gente acordar e perceber que o nosso mundo ta uma zona e a responsabilidade é toda nossa? Será que ninguém percebe que Garotas de Programa só existem porque gente de alma doente paga pra transar com outra pessoa, sem amor, carinho ou qualquer sentimento que não seja o desejo de satisfazer suas taras que são fruto de uma alma sem alma?

Pais que abandonam seus filhos, pais adotivos que fazem diferença entre filhos biológicos e não biológicos, discriminação racial, preconceito, diferenças sociais, nosso sistema de ensino falido, nossas religiões hipócritas e vampirescas, nossa omissão e covardia, nossa falta de amor. Tudo isso é o que faz com que uma garota de 18 anos decida sair de casa para trocar sexo por dinheiro. Na verdade o que ela estava buscando era se sentir amada, desejada, incluída, respeitada e aceita.

É muito fácil apontar o dedo e dizer que ela e outras poderiam ter escolhido um caminho melhor, que existem alternativas, que se fosse você nunca seria desta maneira, mas o desafio é ao invés de olhar pra fora, olhar para dentro e se perguntar: como eu faço pra mudar esse quadro?

Em pleno século 21, com toda a informação que temos e sabendo tudo o que sabemos, não dá mais pra agirmos como trogloditas e idiotas apontando o dedo pra quem quer que seja e dizer que a responsabilidade é dela e as conseqüências também. A responsabilidade é de todos nós, somos nós quem permitimos que o amor desapareça, que o respeito evapore e que a fé no ser humano seja quase nula. Somos nós que assumimos uma cultura omissa e covarde, voltada para o próprio umbigo e colocando sempre a responsabilidade no governo, na religião, ou no colo de qualquer um que não seja eu.

Eu sou jovem, tenho 27 anos, não vi quase nada de nossa história, mas me lembro de ter visto na TV quando criança, jovens com suas caras pintadas exigindo que o Presidente da República deixasse o cargo, e eles conseguiram. Esta é uma prova de que coragem, determinação e um pouco de organização podem fazer algo mais do que criticar e apontar o dedo.

Eu sonho com o dia em que inauguraremos um tempo novo, uma nova cultura, onde a lei é o amor, a tolerância, o respeito e a paz uns com os outros. Sonho com uma realidade onde nenhuma menina vai precisar vender seu corpo pra poder se sentir aceita. Onde não será necessário pagar seguro do seu carro porque em algum momento fatalmente ele será roubado. Lugar onde mães não abandonam seus filhos e nem filhos abandonam seus pais. Tempo onde nenhum homem ou mulher, casados ou solteiros, saiam de casa para pagar por sexo.

Fale o que quiser sobre mim, diga que isso é coisa de sonhador, de menino, é utopia. Mas não reclame quando seu marido for buscar uma prostituta na rua, ou sua filha virar uma, ou sua mulher ou namorada for buscar fora o que não tem em casa, ou quando você for assaltado pela décima vez. Nunca reclame daquilo que você permite. Ou você não permite, ou cala a boca.

Eu vou fazer a minha parte, faça você também a sua.

“Voce pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único” John Lenon.

Giordano Narada

Minha febre...

Às vezes penso em tentar controlar o que sinto. Mas logo concluo que querer controlar o sentir é como querer arrancar-me o humano e o divino. Então, quando sentimentos indesejados explodem no peito, desejo outra vez, não ser o que sou apenas para não sentir o que sinto.

Quando dói, o que é bom perde o sentido e só o que importa é o que faz desdoer.

Me distraio com canções, leio, trabalho, fico de papo pra ver se me acho. Mas não demora e o que dói está de volta, o Ópio da alma efeito já não faz.

 Preciso de algo mais forte, quem sabe, você!

Então você diz que preciso é de mim, que a resposta é de dentro e que estou me perdendo. Olho pra dentro e encontro... Você!

Sua onipresença me assombra, seu canto me encanta e seu encanto me embriaga. No meu palco o centro é sempre seu. Abrem-se as cortinas e o que vejo é sonho e delírio de febre, que me aquece e me adoece, que me cativa e me enfraquece.

‘’Estou enferma de amor’’, grita a noiva enamorada no conto e no canto do sábio rei. Grito esse que encontra eco em meu peito, primeiro um grande alarido, depois um cansado gemido que encontra repouso no abismo que me habita, aquele que eu chamo de alma. Abismo esse que me abisma todos os dias, quando me escondo no fundo, me perco profundo, mais não de você.

Me perco em você, me perco por você, mas não de você. É assim o que assim é? Meu amor, minha dor, meu delírio, minha febre... Sararei ou morrerei?

Giordano Narada

Seis da tarde


Seis da tarde, hora de ir para casa, ver minha esposa e meus dois filhos. Preciso correr se eu quiser ver meu s filhos acordados, afinal, são dois metrôs, um trêm e um ônibus até nossa casa na periferia. Mês passado fui contemplado no consórcio e consegui o nosso tão sonhado carrinho, mas ainda tenho que pagar o IPVA e o licenciamento. Ainda vou ter que andar uns dois meses de ônibus até conseguir o dinheiro pra pagar tudo.

Já são sete da noite e eu ainda estou saindo do metrô para pegar o trêm. Tudo superlotado, como sempre, e cada um com sua correria. Desde que eu comprei essa botina nova não sinto mais os pisões do pessoal enbarcando e desembarcando com tanta pressa que nem percebem que o debaixo é meu. 

Oito da noite e eu estou quase em casa. O circular atrasou um pouquinho mas agora o motorista está indo à toda velocidade para recuperar o tempo perdido. Derrepente tenho a impressão de que também perdi algum tempo, mas logo esqueço no que estava pensando quando uma senhora me pede para sentar no lugar em que estou. Olho de um lado e de outro para ver se realmente não há nenhum lugar vazio para a distinta senhora sentar-se. Estou tão cansado do trabalho duro o dia inteiro, gostaria de permanecer sentado, mas me levanto e dou lugar a quem viveu mais do que eu.

Nove da noite e estou caminhando do ponto de ônibus para casa, faltam sõ mais seis quarteirões para chegar no meu pequeno paraíso. Mais uma vez tenho a sensação de que estou me esquecendo de algo, mas prossigo e rapidamente chego no meu destino, finalmente em casa. Abro a porta e meus dois filhos, Vera e Pedro, saltam do sofá e agarram-se em minhas pernas como se não houvesse nada melhor no mundo. Eu os pego no colo e os abraço com força. Minha esposa, Rosa, está lavando a louça do jantar. Deixo as crianças no sofá e me dirijo à cozinha para dar um beijinho em minha esposa. Que saudade! Ela retribui o beijo e me avisa que minha comida está na geladeira, é só esquentar no microondas. Agradeço pelo cuidado, pego uma cerveja na geladeira e vou para o quintal. Tiro a camisa e olho para o céu com uma pergunta: O QUE EU ESTOU FAZENDO AQUI?

Giordano Narada

As Crônicas de Narada - O Capuccino, a Mostarda e o Cubo Mágico


Nada é o que parece ser e o buraco é sempre mais embaixo. Uma mostarda nunca será só uma mostarda quando três seres metidos a filósofos de botiquim com crise existencial se encontram. Em poucos minutos já havíamos transformado o ketchup naquilo que somos, mas não queremos ser, a mostarda naquilo que não somos mais queremos ser e o cubo mágico virou nossa existência confusa e enigmática.

Foi um papo denso e interessante e, é claro, falei mais do que vendedor de pano de prato na Praça XV e ainda assim consegui aprender alguma coisa... Eu acho.

Bom, ai vai um resumo do que rolou:

1 – Com o Cubo Mágico entendi:
Que planejamento estratégico não é o meu forte, ajo na maioria das vezes por impulso e freqüentemente não consigo terminar o que começo porque planejo apenas um ou dois movimentos na frente, o que faz com que eu tenha que rever minhas estratégias o tempo todo e, muitas vezes, tenha que desfazer tudo o que eu fiz pra poder continuar montando a merda do Cubo Mágico que é aminha vida. Ô coisa difícil viu???

2 – Com o Ketchup e a Mostarda descobri:
Que to fazendo uma coisa boa, mas que não é o que eu quero de verdade, mas o que eu quero de fato não posso fazer agora porque senão morro de fome e não consigo fazer nada morto. Além de que, provavelmente fazendo o que eu não quero momentaneamente poderei em um momento posterior fazer o que eu quero com mais tranqüilidade. Eu gosto de ketchup, mas o que eu quero é mostarda. Não dá pra saborear a vida sem os ketchups dos empregos, salários e negócios que você nunca sonhou, mas que precisam dar certo, até o momento em que você tenha base firme o suficiente para esparramar a mostarda que você sempre sonhou neste grande e bagunçado cachorro-quente chamado existência. Quero mostarda, mas se tiver que misturar ketchup, qual o problema? Também gosto de ketchup.

3 – Com o Capuccino aprendi:
Que Capuccino com chocolate se chama Capuccino Italiano.

4 – Com Laevia e Hurricane aprendi que ansiedade é uma merda, e que fazer minha verdadeira vontade é tudo o que eu tenho que fazer, sim, mas ninguém disse que tem que ser agora e nem de qualquer jeito.

Moral da história: nunca subestime um Capuccino, uma Mostarda e um Cubo Mágico, pois eles podem conter o sentido da vida.

Giordano Narada
18:05/2011

DO AVESSO


Sinto...
Sinto todo o tempo...

Sinto um frio na alma que me leva a buscar fora de mim algo para me aquecer.
Mas estamos falando de alma...

Falo daquele órgão etéreo invisível, mas vital, que pulsa e repulsa minha pseudo-sanidade contrastando com a fome e o frio que a fazem encolher.

Sim, sinto o tempo todo...

Sinto fome de saber e conhecer aquilo que é o que há sendo ser.
O problema é que ainda procuro fora de mim.

Como um mendigo na porta da igreja, estendo meu chapéu e aguardo ansioso por receber de alguém aquilo que me falta. Mas quem disse que me falta? E quem disse que não me falta?

O que me falta é pão caseiro e vinho tinto suave. Pão caseiro para saciar a fome dolorida e o vinho para aquecer e alegrar o coração. Mas só sei comprar pão de padaria e o bom vinho está caro. O preço da alegria está pela hora da morte, e a morte da alma é o preço que se paga por não ter alegria.

Quero um pedaço de chão para plantar minha vinha, uma bela casinha com forno e fogão. Um abraço apertado daquela menina, sentado a mesa, com vinho e pão.

Se você é daqueles que sabem das coisas, eu sou daqueles que querem saber. Mostre-me o caminho das pedras. Mostre-me o caminho da vide, pra que eu não mais tenha que voltar ao mesmo lugar todas às vezes, eu e o meu chapéu. Mostre-me o meu caminho de dentro.

Acho que já sei como plantar uma vinha, só falta agora aprender a fazer pão...

Giordano Narada

SONAMBULISMO EXISTÊNCIAL!?


Esta noite tive um sonho um tanto confuso, com muita informação, muita gente que eu não conheço, mas no sonho eu conhecia todo mundo. Tudo o que acontecia era um absurdo, mas só achei isso quando acordei. Enquanto estava sonhando tudo era normal e comum. Como pode isso? O absurdo como normalidade quando em estado “suspenso” de consciência. Será mesmo que quando dormimos estamos inconscientes?

De qualquer modo, quando dormimos, sonhamos, as vezes nos lembramos, as vezes não. Agora fico me perguntando por que será que, quando sonhamos, nossa percepção das coisas fica tão alterada? Por que será que os limites são tão alargados e nosso senso de normalidade não acusa nada de estranho? Quando sonhamos podemos voar, andar sobre as águas, viajar milhares de quilômetros em segundos, experimentar as maiores aventuras, enfrentar os maiores monstros e até reviver os mortos. Mas, quando acordamos, nos damos conta de que foi apenas mais um sonho absurdo e nosso senso de realidade e normalidade acusa que o que aconteceu não foi real.

O problema é quando temos um daqueles sonhos que parecem ser tão reais a ponto de, quando acordamos, temos a impressão de que ainda não acabou. É como se o sonho e a realidade se fundissem e não fossemos capazes, pelo menos por alguns segundos, de diferenciar um do outro. Nessa hora o que eu me pergunto é: eu realmente tive um sonho esta noite e agora estou acordado, ou estava acordado e agora é que estou sonhando? E se a realidade for o que vivemos quando sonhamos e a vida que temos como nossa realidade não passar de um sonho? Hein?

Algumas vezes, enquanto eu sonhava, percebi que estava sonhando e consegui controlar algumas coisas. Certa vez sonhei que estava mergulhando, quando percebi que era um sonho, entendi que podia continuar mergulhando sem necessidade de respirar. Foi massa! =). Outra vez sonhei que estava sendo assaltado, percebi que estava sonhando, fechei os olhos e acordei. Ficou tudo bem! Já pensou se descobríssemos que vivemos em um grande sonho e podemos controlar certas coisas?

Se isso tudo aqui for um sonho, talvez possamos sonhar com a cura de todas as doenças, a extinção da violência, a morte não precisaria mais existir, fome nunca mais, ninguém mais precisaria de dinheiro, pois cada um poderia criar tudo o que precisasse em seu sonho.

Mas e se não soubermos sonhar? E se só soubermos criar pesadelos?

Talvez isso esteja acontecendo agora mesmo. Talvez estejamos realmente em um sonho coletivo, onde projetamos todas as nossas enfermidades de alma para o exterior criando a existência como pesadelo compartilhado. Talvez sejamos arquitetos de uma assombração psico-espiritual que se manifesta na forma do que chamamos de “vida real”, e quando dormimos nosso inconsciente viaja para os bastidores de tudo isso. Lugar onde, pelo menos por alguns segundos ou minutos, rompemos muitos de nossos limites e degustamos levemente o sabor do potencial humano-divino dentro de nós.

Às vezes tenho a sensação de que sou o único ser consciente do universo, que todas as outras pessoas estão no piloto automático, como que programados para fazer o que fazem e repetirem, vez após vez, as mesmas coisas incansavelmente como pequenos robôs teleguiados por um ser invisível, ou quem sabe por mim mesmo, se levar em consideração que este sonho pode ser só meu. Se for verdade, se este sonho for realmente só meu, isso significa que estou sozinho aqui. Mas se for um sonho ou pesadelo coletivo, isso significa que, para mudarmos nossa realidade ou despertarmos do sono, temos que fazer isso juntos. Mas como?

Bem, o fato é que todos nós sonhamos, quer acordados, quer dormindo. O que ainda não sei é se, neste exato momento, estamos acordados ou dormindo. O que você acha?

Giordano Narada
01/06/2011

A DANÇA!


Fim de tarde, crepúsculo, finda o dia para dar lugar à noite
Madrugada, silêncio nas ruas, todos dormem, na verdade nem todos
Canta o galo, alvorada, luz por detrás dos grandes prédios
As lâmpadas se apagam e o silêncio já não é
Som de motores, buzinas e vozes, talvez alguma música
Som da vida moderna, som do dia

A Terra gira em torno de si e dizemos que o tempo passou
Uma volta completa em torno do Sol e celebramos mais um aniversário
O Sol está no centro do céu: hora do almoço
A lua surgiu no horizonte, outra noite, outra vez

Tempo? Ilusão. Movimento? Sempre
Ontem e hoje acontecem agora, ainda que seja de noite
O amanhã nunca veio, pois sempre foi o agora que será
Tudo é como sempre foi, ainda que não seja

O rei imóvel observa o movimento dos astros
A dança dos súditos coroa o que estava antes do tempo
Pois o tempo é a dança, e a música... Ah a música...
A música não pode ser ouvida por quem não compreende a dança

Todos dançam, mas nem todos sabem a música
E quem sabe a música, não sabe outra
Quem sabe outra não canta, e já que não canta, continua a dança
A mesma dança, a mesma música, como sempre foi


Giordano Narada
11/11/11

A FÁBULA DOS COVARDES


Fico impressionado com tanta gente que acredita em um deus que está em algum lugar onde não podemos ver nem ouvir, mas que tudo vê, ouve e controla. Como um manipulador de marionetes humanas que não sabem o que se passa na mente do seu "Criador" e por isso devem aceitar seus desígnios sem questionar.

Noto um medo quase alucinado na expressão e na voz das pessoas religiosas quando se encontram em uma situação onde seu deus e sua fé são questionados. Não admitem que a verdade possa ser diferente da que elas imaginam. Na verdade não podem admitir.

A impossibilidade de encontrar sentido no que podem ver, sentir e experimentar como vida faz com que criemos realidades alternativas como escape para nossas consciências absurdamente culpadas e sem perspectiva. Pensar que a vida é uma merda por culpa minha e que eu tenho que fazer alguma coisa a respeito, para a maioria de nós é um pensamento alto demais. Melhor é colocar a responsabilidade em um Ser Superior invisível e inalcançável, defendendo com unhas e dentes sua existência baseando seus argumentos em escritos antigos e experiências de quem já morreu e não pode validar o que escreveu. Nem mesmo seu deus se revela sozinho, havendo a necessidade de se criar um exército de “Defensores da Fé” para “provarem” sua existência por meio de argumentos frágeis e intangíveis, demonstrando apenas nossa capacidade de acreditar no que quer que seja.

Nossa fé baseada em histórias e contos não sobrevive à realidade da vida. Estupros, assassinatos, assaltos e roubos, latrocínios, genocídios, guerras, drogas, prostituição, desastres naturais e tudo de ruim que na vida acontece, para alguns seria coisa do diabo. Outro bode expiatório imaginário criado por nossa covardia em assumir que a responsabilidade é nossa.

Há quem consiga dizer que até os males da vida são “O plano de Deus”, mas isso só se mantém até que a calamidade chega a você. Quando a criança que foi estuprada é a sua filha, quando a casa que foi bombardeada foi a sua, quando o teto desabou na cabeça de seus entes queridos, fica mais difícil de aceitar um deus bondoso que não estava lá para ajudar.

Mas ainda assim alguns aceitam e se acomodam, enquanto o mundo vai de mal a pior. Há até quem diga para não nos surpreendermos com o mundo em chamas, pois assim será segundo a vontade de Deus. Claro que não vou me surpreender, pois a maioria não faz nada pra mudar coisa nenhuma, porque são covardes que se escondem por detrás de uma fábula muito mal contada por sinal.

Procurar deus do lado de fora é o grande pecado do mundo, e procurar um diabo do lado de fora é a grande heresia. Seu deus é o que você acredita que ele é e no final não há Deus nem Diabo fora de nós. No final, a Santíssima Trindade sou eu, você e o que fazemos.

Giordano Narada
12/11/11

O NADA ABSOLUTO!


O que é o Nada? Se é que podemos dizer que Nada é...
Nada é o que não é, embora o Nada seja a origem de tudo
Sim, porque antes do início o que havia além de Nada?

O Nada é perfeito, absoluto
Sem começo nem fim, continuo, infinito
O Nada não existe, pré-existe

O Nada é sem forma, vazio, abstrato
Não tem dimensão, apenas posição. Posição?
Sim, porém indefinida, já que não há nada além de Nada

O Nada tem muitos nomes, mas nenhum deles o descreve
O indescritível se parece consigo mesmo, e quem o vê desaparece
Quem diz que O viu, mentiu, quem diz que não O viu, mentiu igualmente

Nada é absoluto, e somente ele
Pai de tudo o que é sendo exatamente o oposto
Sua prole O nega, a criatura O rejeita inaceitável não-ser

No final da jornada Nada o aguarda, o zero após o nove
Fim de uma existência, início de outra ou quem sabe apenas nada
O Nada Absoluto

Giordano Narada
16/11/11

MATINTA PERERA - Uma lenda da Amazônia


A Matinta Perêra é uma velha de preto, com os cabelos desgrenhados. Prefere sair em noites sem luar. Quando sente a presença de humanos ela assobia estridentemente, como se gritasse o próprio nome: Matinta Perêra!

Ela apavora às pessoas.
Pode-se transformar em animais.

Se quer descobrir quem é a Matinta Perêra, ao ouvir o assobio, convide-a para tomar café de manhã. A primeira pessoa que chegar pedindo café ou tabaco é ela.
A Matinta Perêr, segundo o povo, pode fazer feitiços para causar dor de cabeça e no corpo. Alguns acabariam morrendo.

De Loudes conta que quando era menina morava, com seu pai, na fazenda dos Campos de Quatipuru. Costumava aprontar poucas e boas. Volta e meia ganhava um castigo da mãe ou um cocorote do pai. Como ela mesma dizia: “era umcan-cão de fôgo”! Atiçava as cobras nas suas tocas, perseguia animais bravos, desafiava o encantado. Um dia seconfrontou com a Matinta Perêra.

– Fi-ri-fi-fi-fiuuu… Matinta Perêra… das grandes!

– Olha, Dona Matinta, me deixa dormir e amanhã passa aqui para tomar café e pegar tabaco.
No dia seguinte uma velha apareceu na casa do Vicente, pai de De Lourdes, para pegar o tabaco. Vicente deu o tabaco à velha e De Lourdes ganhou uma surra de vara, de cuieira… para nunca mais querer ouvir falar da Matinta.

Mas, o que é a Matinta Perêra?

Existem várias formas de escrever o seu nome: Matinta Pereira, Matinta Perêra, Matinta Perera, Mati-Taperê, Mat-taperê, Matim-Taperê, Titinta-Pereira. Ela se apresenta como sendo uma velha, geralmente acompanhada de um pássaro. O pássaro assobia, à noite, para perturbar o sono das pessoas e assustar as crianças.

A velha, uma pessoa idosa do lugar, carregaria a maldição de “virar” Matinta Perêra. Em Castanhal a “Nêga Antônia” ficou com esta fama, de assombrar as pessoas. Às vezes ganhava asas e voava pela vizinhança. A Nêga Antônia herdou este maldição da antiga Matinta Perêra, que morava no interior das matas do Apeú. Dizem que um dia, quando “Nêga Antônia” ia passando por aquelas bandas, para juntar lenha, ouviu uma voz perguntando:
– Quem quer? Quem quer?
– Eu! Respondeu Antônia, prontamente.
Foi o seu erro. A antiga Matinta queria passar a maldição, antes de morrer!
Nas noites mais escuras era a “Nêga Antônia”, agora, que assombrava as ruas da pequena Castanhal. Quem quisesse ver era só esperar, acocorado, embaixo de alguma mangueira: lá pelas tantas aparecia uma negra horrível, vestida de prêto. Quando queriam pegá-la ela se transformava numa grande porca e fugia, rapidamente para o mato.

Um dia o caçador Pernambuquinho, experiente e com pelejas célebres contra cobra grande e curupira, resolveu acabar com as presepadas de “Nêga Antônia”. Mandou o Padre Zé Maria benzer uma bala de chumbo, carregou a espingarda “tauari” e foi para baixo da mangueira, esperar. Alta hora da noite aparece a preta. O caçador se prepara. Quando a “Nêga”, virada Matinta, percebe que caiu em uma tocaia do caçador atira-se ao chão e transforma-se em porca. Antes que ela fugisse o caçador deu um tiro.

Daquele dia em diante a “Nêga Antônia” sumiu. Quando apareceu estava com uma das mãos quebradas. Quem não creditava viu e acreditou: o tiro atingiu apenas uma das patas dianteiras da porca. E a Matinta Perêra, daí em diante, nunca mais assombrou as noites da cidade – o encanto havia-se desfeito.

Durante muito tempo os moradores da Vila do Apeú, vizinha a Castanhal, ao passar pela casa abandonada da Nega Antônia, ouviam:

– Quem quer?

CarloZaraujo
amazonia.fantastica.com.br

NOSSA PATÉTICA PAIXÃO POR FUTEBOL!


A competição nasce da necessidade de se auto-afirmar.  Ser o primeiro, o melhor, o maior, é o alvo de muitos, mas a conquista de alguns poucos. Todos querem ser vencedores, mas pela própria natureza da competição, os vencedores serão sempre a minoria.

No esporte a competição é a razão se sua existência, e para quem pratica o esporte como profissão, a vitória sobre o oponente é o que garante o emprego. Salários multimilionários são pagos para os competidores vencedores, e os perdedores freqüentemente são substituídos por outras “promessas” com o intuito de vencer na temporada seguinte.

Vencer é o alvo!

Aqui no Brasil, impera o Futebol, e a torcida desfruta da vitória de seu time favorito como se fosse a sua própria. Torcedores entram em uma espécie de transe apaixonado e saem as ruas com suas bandeiras e seu grito de guerra. Tudo o que for possível para chamar a atenção será feito. Buzinas, cornetas, gritos, bandeiras, camisetas e bonés, música e dança, todos os tipos de extravagância são válidos na hora de comemorar a vitória do nosso time do coração, e ao mesmo tempo, a derrota do time “inimigo”.

Na segunda-feira, no trabalho, nós da torcida vencedora estaremos municiados de todo o tipo de piada e brincadeiras nos vangloriando de “nossa vitória” e faremos questão de procurar aqueles que são torcedores de time adversário, o que perdeu, para tripudiarmos sobre o perdedor.

Ganhar é bom, perder é ruim. É baseado nessa premissa que permitimos que um jogador de futebol ganhe milhões por ano para nos sentirmos vencedores aqui de casa ou lá no estádio, enquanto milhões de irmãos nossos batem às nossas portas aos Domingos mendigando um prato de comida e não conseguem, porque estávamos fazendo tanto barulho comemorando a vitória de nossos times, comendo churrasco e bebendo cerveja, que não fomos capazes de ouvir alguém batendo no portão.

Até mesmo este que bateu no portão pedindo comida é apaixonado por futebol. Isso porque também está nele a vontade de vencer e, algumas vezes, a única forma de se sentir um vencedor é quando seu time faz um gol, ignorando que o salário de um mês do autor deste golaço poderia alimentá-lo, juntamente com sua família, pelo resto de suas vidas.

A competição é uma das razões pelas quais a desigualdade está instituída no mundo. Querer ser melhor do que outra pessoa é o combustível que nos move todos os dias, falo da maioria de nós, e é por isso que nos orgulhamos de ser o País do Futebol e vamos sediar a Copa do Mundo. Como disse outro dia um ex-jogador de futebol: “Uma Copa não se constrói com hospitais, mas sim com estádios”.

O Coliseu não tem mais Leões nem Cristãos para serem comidos por eles. Os gladiadores agora têm chuteira nos pés e milhões na conta, e os trabalhadores pagam as vinte e quatro prestações de sua TV nova para poder assistir a final do campeonato.

Por que nós precisamos tanto nos sentir superiores? Por que alguém tem que perder pra nos sentirmos bem?

Por que fazer protesto contra a construção da usina de Belo Monte e não protestar contra os zilhões gastos para hospedar a Copa e as Olimpíadas?

Por que gastar tanto tempo de nossas vidas assistindo outras pessoas vencerem ou perderem, comemorando suas vitórias como se fossem nossas e no final o que se leva pra casa é apenas uma taça e um título, nada mais?

Por que nossa auto-estima é tão baixa?

Nosso mundo é patético!

Giordano Narada
04/12/2011

CONFISSÕES DE UM VAGABUNDO

Tem gente que me chama de inconstante. Dizem que eu não sei o que quero, que pareço macaco louco, pulando de galho em galho sem achar pouso. Dizem que por isso não sou confiável, e ninguém pode “apostar” em mim. Na verdade todas as pessoas que disseram estas e outras coisas similares tem toda a razão. Não há nenhuma segurança em apostar num vagabundo.

Eu tenho andado como um transeunte existencial, experimentando muitos caminhos, entrando em frias com muita facilidade e saindo delas com muita dificuldade. Fazendo inimigos à primeira vista, e descobrindo alguns raros amigos, sempre na hora que o “pau tá cumendo”. Aliás, esse assunto de amizade ainda é um tanto confuso pra mim, porque o que teve de gente que disse era meu amigo, mas na hora do “pega pra capá” só sobrou eu na areia movediça pedindo a Deus que não fosse meu amigo, porque se fosse iria fazer como todos os outros. Com Jesus Cristo foi assim, na hora do “pau quebrar” não sobrou ninguém. Foi assim com ele que tava fazendo tudo certo, imagina comigo que sou um bosta e só faço merda.

Mas o fato é que eu sou complicado mesmo. Acho que até Deus, se fosse possível teria se mandado também. Porque o que eu já meti de amigo meu em roubada não tá no gibi. E o pior é que, com meu poder de persuasão em conseguia levar uma galera atrás de mim naquilo que eu acreditava ser a “onda do momento”, só que logo eu percebia que não era nada daquilo, aí eu tentava convencer a galera de que a gente tava fazendo merda, que o buraco era mais embaixo, mas aí já era tarde. Agora quem me seguiu na burrada acredita mais do que eu e acha que eu é que tô viajando agora.

Eu queria experimentar, entender, errar pra poder acertar. Acho que não tem problema experimentar. As grandes experiências de grandes revolucionários que mudaram o mundo pra melhor surgiram de inúmeras tentativas e erros. E eu queria ser um revolucionário. Mas eu não podia fazer isso sozinho, então eu arrastava quem eu podia comigo, buscando todo argumento possível e impossível para ganhar parceiros de gangue, mas deu sempre errado, toda vez. Era bom pra mim e eu queria compartilhar com todo o mundo, mas não foi bom pra todo mundo. As únicas coisas que parecem estar dando certo são aquelas que estou fazendo sozinho, ou em parceria com alguém que já estava “indo pra lá”,  então só passamos a ajustar os passos para andamos juntos. Explosões espontâneas surgem e coincidem com o meu caminho, então faz sentido. Que merda de existência complexa.

Eu só queria mudar o mundo, mas não sabia como. Eu tinha que tentar tudo. Bom, eu não tentei tudo, mas tentei um bocado de coisas, acredite. Ganhei todo mundo, perdi todo mundo. Ganhei de novo e perdi outra vez. Fiquei repetindo essa masturbação de alma até não sobrar mais ninguém. Pronto, não sobrou ninguém. E agora?

Agora sobrou apenas a vagabundagem de um andarilho sem bússola nem mapa, sem religião, sem graduação, sem lugar pra ir nem pra voltar, só.

Duvido de tudo, nada é absoluto a não ser o relativo, nem mesmo minha posição sobre tudo isso. Já faz muito tempo que me dei a liberdade de mudar de opinião, e não duvido que venha a mudar de idéia sobre a própria idéia da liberdade de mudar de idéia. Mas mesmo com toda essa dúvida, uma certeza se impõe: Eu ainda vou mudar o mundo.

Há um potencial ilimitado dentro de cada comedor de feijão no mundo, e eu, um moleque paraense, criado com pé descalço e sem camisa, menino da roça filho de baiano que teve que recomeçar a vida um sem número de vezes, não serei diferente

Morri muitas vezes, ressuscitei todas elas. Fome eu já passei, vergonha um bom bocado, humilhado já fui, esquecido com freqüência. Já tive alguns sucessos também, mas continuei com fome. Aprendi muito, mas continuei burro. Amei, trai, machuquei, fiz sorrir, chorar, levantei, derrubei, fiquei, fui embora. Voltei várias vezes, mas me fui novamente. O que sobrou?

Sobrou o mundo inteiro pra ganhar e já bastante história pra contar, mesmo tendo só 28.
Acho que vou tentar de novo algo novo, ou talvez algo velho, não sei. Quem sabe dessa vez eu acerto?!

É isso: meu nome é Giordano e essa é a confissão de um vagabundo.

Giordano Narada
06/12/2011